Diz-se que o homem, como o peixe, morre pela boca. É o que está acontecendo com o locutor Don Imus, da CBS, demitido semana passada depois que chamou as jogadoras de basquete do Rutgers, uma universidade pública de New Jersey, na Costa Leste, de prostitutas de cabelo encarapinhado (Nappy-headed ho’s).
Imus, que assim encerra uma carreira de mais de 41 anos no rádio (seu programa também era transmitido ao vivo de madrugada pelo canal a cabo MSNBC) foi asfixiado não só pela reação em cadeia de candidatos presidenciais, jogadoras, bloguistas e pelos revanchistas de plantão, gente que pega este ato isolado e quer lixar a raça branca por séculos de opressão contra negros.
O que pesou mesmo foram os principais patrocinadores, gente como Procter & Gamble, General Motors, Staples e Sprint, cancelarem o patrocínio de US$ 25 milhões para o programa distribuído em mais de 70 rádios norte-americanas.
Como o dinheiro fala mais alto, a reação inicial do pessoal de TV e rádio foi suspender Imus, um cowboy californiano e branquelo com sotaque sulista, por duas semanas. Mas depois, com a repercussão aumentando como uma bola de neve, a CBS decidiu simplesmente demití-lo.
Imus é reincidente em tratar negros, latinos, índios e outras minorias nos Estados Unidos com palavras de baixo calão, ou no mínimo discriminatórias. Ex-alcóolatra e dadivoso filantropista, já foi acusado (e processado) de racismo, misogenia e homofobia, não só por celebridades, mas até por colegas de trabalho.
Seu principal alvo, no entanto, são as mulheres negras, embora já tenha chamado o ex-secretário de Estado americano Colin Powell de “doninha ressonante” e o governador do Novo México de “bicha gorda”.
Mas agora a paciência estourou. A gota dágua foi o discurso da técnica do Rutgers, C. Vivian Stringer, durante entrevista coletiva do time após o incidente. Ela chamou a atenção para o efeito perverso que as palavras de Imus provocaram nas meninas do basquete, a maior parte delas pós-adolescente.
O time – composto de oito negras e duas brancas -, disse que voltou para suas casas no feriado de Páscoa e, ao invés de celebrar o reencontro com a família, só ouviram lamentações e rancores dos pais e amigos contra Imus.
O radialista, um mestre na arte da fala, bateu de frente com todo o mundo, pediu desculpas diversas vezes (“sou um homem bom que fez uma coisa ruim”), propôs um pedido de desculpas frente a frente e convidou representantes da raça negra para debaterem a questão no seu programa.
Só piorou a situação. Embora seja o maior caldeirão de raças que até hoje se encontraram num só espaço geográfico, os Estados Unidos está pronto para explodir a qualquer momento. O racismo é aberto, declarado, cheio de não-me-toques e do não-se-meta-comigo.
Daí o imperdoável perdão judicial ao jogador de futebol americano O. J. Simpson, depois dele ter matado a esposa Nicole e seu namorado Ronald Goldman em 1994.
Ou da imediata punição aos agentes que bateram no motorista de táxi Rodney Glen King em 1991, que provocou uma nunca vista guerra racial na parte mais pobre de Los Angeles, com diversos motoristas brancos sendo filmados pelas câmeras em cenas grotescas – arrancados dos carros e apanhando no meio da rua.
Mas agora, passado os horrores do racismo – desde a escravatura, a Ku Klux Klan, e o assassinato do pastor Martin Luther King, Jr. em Memphis, Tennessee, em 1968, a discussão entre brancos e negros se dá principalmente pela mídia, que arregimenta as melhores cabeças pensantes para debater durante horas as injustiças da sociedade.
O fantástico de toda esta história é o fato de os Estados Unidos terem a capacidade de errar, de aprender com os erros e de, como sempre, tirar lições deles. Ninguém fica parado na história regurgitando erros comezinhos e as armadilhas do destino.
Errar é humano, como se sabe, mas a capacidade de reconhecer o erro rapidamente e corrigi-lo é que faz a diferença. Como disse Chidimma Acholonu, presidente da Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor, “esta não é uma batalha contra um homem. É uma batalha contra uma forma de pensamento”.
Sexta-feira, em entrevista à rede NBC, a técnica C. Vivian Stringer completou: “se este episódio contribuir para que isto jamais aconteça de novo, eu trocaria tudo isto por todo o campeonato nacional. Estas meninas, como todos nós, são representantes de Deus”.