Seattle – Após assistir nas últimas semanas aos 86 episódios dos The Sopranos, da HBO, considerado o melhor seriado de todos os tempos da TV norte-americana, e também o que mais faturou, e ficar terrificado com o estilo de liderança do chefão Tony Soprano, dá vontade de jogar no lixo idéias holísticas, congruentes, participativas e outros modismos inventados pelos consultores em administração. O estilo “escreveu-não-leu-é-porrada-mesmo” de Tony, que faz análise e tem problemas com a mãe, mesmo depois dela ter morrido, obviamente tem seus exageros, como assassinatos e extorsões, mas é o que se vê, mutatis mutandis, no dia-a-dia das empresas nos Estados Unidos que freqüentam as primeiras posições da Fortune 500.
O Soprano da América Corporativa é uma espécie de cowboy que, em tempos de crise (ou seja, sempre), corta a emenda do feriado, suspende o cafezinho e liga para o sub-chefe domingo de manhã para saber o que ele está achando das coisas. Fala pouco, não é amigo, aparece em horas incertas, não gosta de responder (e sim perguntar), não reage no calor dos acontecimentos e presta atenção a tudo que ouve. Sorrisos esparsos, abre o saco de pancadas de uma só vez, e dá a mão depois que o subordinado já roeu todas as unhas. É astuto, sortudo, charmoso, de bem com a vida, aceita ouvir desaforos sem estourar os miolos e parece ser teleguiado por um sentido de missão, do tipo “não sabia que era impossível, portanto fui lá e fiz”.
Tony é assim. É mais um bem-sucedido CEO da Cosa Nostra, organização criminosa que ao longo da sua história brindou o mundo empresarial com livros sobre eficiência e eficácia administrativa. O último que saiu é sobre Bernardo Provenzano, o chefão que, encarcerado, torna-se prolífico escritor de cartas. John Murray, que escreveu sua biografia Boss of Bosses, colheu dele sete regras essenciais para o mundo dos negócios: (1) Em tempos de crise, desapareça do radar. (2) Medite, seja calmo, correto e consistente, descubra o que há por trás das palavras e não confie em apenas uma fonte de informação. (3) “O chefão tem de aparecer como uma figura beneficente, tanto nos negócios como na vida pessoal, a fim de obter o consenso”. (4) Seja como um pastor, confiável e autoritário”. (5) Seja politicamente flexível. (6) Em caso de escândalo ou falência, distancie-se e não seja confundido com o caso em questão. (7) Seja modesto. Sempre.
Tony mete tanto medo que seu motorista pede-lhe desculpas por ter apanhado dele num de seus freqüentes ataques de fúria (acompanhados de desmaios de ataques de pânico). Tortura e mata como quem toma um cafezinho na esquina, faz sexo com metade do mundo, mas recolhe-se todas as noites à sua sacrossanta mansão, onde é pai e marido exemplar. O mundo gira à sua volta: ele recolhe, processa, tira o melhor proveito (90% para ele, o resto para o grupo) e distribui os dividendos salomonicamente. Todo mundo que lhe presta um favor tem um preço, uma gorjeta de 50 ou 100 dólares. Não existem amizades, existem interesses. Beija e abraça os inimigos, para depois encomendar-lhes a morte.
Os Sopranos são reprisados e alugados à exaustão na Blockbuster, principalmente por chefes que, no subconsciente, imaginam um mundo onde não têm que pedir tudo com delicadeza e carinho, para depois serem motivos de piada na rádio peão. Um mundo onde o bem e o mal surgem claramente, e não em zique-zague, um universo onde, infelizmente, alguns têm de ganhar, outros têm de perder. Os chefões é que decidem quem.